segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Aborto


Segue artigo de meu amigo Lincoln Pinheiro Costa, Juiz Federal e acima de tudo, atleticano!

Este artigo foi publicado originalmente aqui





Em 1989, a personagem Mirian Cordeiro apareceu no programa eleitoral do então candidato Fernando Collor acusando o atual presidente Lula de tê-la forçado a abortar uma gravidez. O impacto da calúnia foi decisivo no resultado eleitoral. As consequências da passagem do playboy alagoano pela presidência são de todos conhecidas.

Em 2010 a chilena Mônica Allende, esposa do candidato José Serra, acusou a candidata Dilma Roussef de “querer matar criancinhas”.

Alguns padres, aliados de alguns pastores evangélicos (não todos, justiça seja feita), saíram do Século XVI para "caçar bruxas" e queimá-las nas fogueiras. Oh Raul Seixas, quanta falta nos fazes!

Por muito tempo fui defensor do voto facultativo, por entender que o voto é um direito e não uma obrigação. Mas depois de ler alguns argumentos em sentido contrário e refletir mais sobre o assunto, mudei de opinião. O voto, ainda que apenas de dois em dois anos, obriga o cidadão a pensar na coisa pública, no interesse comum, nos destinos do Estado.

Considero a obrigatoriedade do voto similar à obrigatoriedade da educação. A educação não pode ser entendida apenas na sua dimensão de direito individual, que propicia a ascensão social. Entendida apenas neste sentido, poderíamos justificar que quem não quisesse estudar, por se contentar em realizar serviços braçais, mal remunerados, seria livre para isso. Ocorre que a educação é indispensável para o desenvolvimento nacional e também para o avanço civilizatório. Daí sua obrigatoriedade a todos. De modo que hoje sou defensor do voto obrigatório e penso que deveria haver eleições todos os anos. Um ano para prefeito, no seguinte para vereadores, no terceiro para presidente e governadores e no quarto para deputados e senadores. É votando que se aprende a votar!

O descasamento das eleições legislativas das executivas permitiria uma maior valorização das eleições para o parlamento, bem como que assuntos de competência do Legislativo fossem debatidos pelos candidatos ao Legislativo.

É o caso do aborto.

O Código Penal Brasileiro considera crime, a ser julgado pelo tribunal do júri, a realização do aborto. Entretanto, não é crime a prática do aborto nas seguintes situações:

a) se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

b) se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Nas duas hipóteses apenas o médico pode realizar a cirurgia abortiva. Afora estas exceções, a prática do aborto é crime e apenas lei aprovada pelo Congresso Nacional pode ampliar as hipóteses de descriminalização.

Não compete ao presidente da República autorizar a prática do aborto fora das hipóteses legais. Portanto, este debate deveria ser travado entre os candidatos a deputado federal e a senador.

Não sendo crime a prática do aborto nas exceções mencionadas acima, cabe ao Estado assegurar a interrupção da gravidez naquelas hipóteses, pois do contrário, apenas as mulheres ricas poderiam exercer este direito em clínicas particulares.

Foi o que fez o ex-Ministro da Saúde do governo Fernando Henrique Cardoso e atual candidato à presidência José Serra. Permitiu que o aborto, nas hipóteses permitidas, seja realizado pelo SUS.

O leitor pode conferir a íntegra da norma acessando este link: http://www.cfemea.org.br/pdf/normatecnicams.pdf.

Portanto, o governo Fernando Henrique Cardoso não foi caracterizado apenas pelas privatizações (inclusive tentativa de privatizar a Petrobrás), desmonte do serviço público, criação das abomináveis agências reguladoras, arrocho salarial, salário mínimo de 80 dólares, desemprego em massa, crise da balança de pagamentos e estradas esburacadas.

Sim, é preciso dizer que no governo Fernando Henrique Cardoso foi permitida, com a assinatura de seu Ministro José Serra, a prática do aborto por médicos do SUS nas hipóteses previstas em lei, o que significa um avanço social e humano. Para a esposa do ex-Ministro, matança de criancinhas!

O leitor que lê meus artigos não é um idiota como o Homer Simpson e, portanto, não acredita acriticamente em tudo que é divulgado pela indústria da mentira. Tudo que está neste artigo foi divulgado publicamente e o leitor poderá conferir clicando no Google.

Para terminar, já que citei Raul Seixas, vou citar Cazuza, outro poeta que nos deixou precocemente: “Vamos pedir piedade, Senhor piedade, a essa gente careta e covarde”.

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*Lincoln Pinheiro Costa é Juiz Federal em Belo Horizonte e ex-Procurador da Fazenda Nacional em  Salvador. É graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP) e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV. É membro do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia.

http://twitter.com/lincolnpinheiro



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